O Gambito da Rainha

Beth Harmon ficou conhecida pela jogada que batiza o nome da popular minissérie da Netflix, O Gambito da Rainha, quando o jogador inicia sua partida oferecendo estrategicamente uma cota de sacrifício: perder antes de ganhar. Através dessa metáfora, pode-se pensar a abertura da sua vida marcada pela decisão da mãe em oferecer sua própria vida e a da filha como estratégia de solução para seus problemas. Depois de salvar-se, o que mais teria a perder? Hora do contra-ataque.

Foi a partir desse vazio prematuro que a menina fez uma aposta no seu maior recurso, seu raciocínio matemático, e a partir daí, forjou um espaço para além dos muros do orfanato, interessando-se pelo xadrez que a libertava da sua triste realidade. Note que no início é uma aposta solitária no vazio, sem garantia e companhia na sua escolha, aos poucos o desejo foi tomando forma e, por essa via, foi possível atravessar e se organizar frente aos muitos obstáculos que apareceriam em sua vida. Por vezes o xadrez a tirava do mundo, por outras, era o que a amarrava a ele enquanto todo o resto se esvaia. Uma vida vivida, desde o início, no limite das perdas: de cada jogada, do abuso de substâncias, da conta bancária, dos poucos vínculos (frágeis) que se perdiam para nunca mais voltarem. À exceção de sua amiga do orfanato e de seus adversários que ao retornarem, parecem ter possibilitado alguma ressignificação nas relações de afeto.

Havia pouca margem para erro na vida dessa menina, e o xadrez oferecia a ela, alguma sensação de controle sobre o incontrolável da vida.

Considerações:

A Solidão a qual nós humanos estamos fadados (ao menos no nascimento e na morte), mas, com alguma sorte e dose de coragem, o encontro com o outro pode nos levar a ressignificar nossa vida e o que faremos com ela a partir desses encontros.

O desejo… ahhh o desejo…. esse que muitas vezes causa certa estranheza, que não se compartilha, que nos faz únicos … no fundo é uma pedra no meio do caminho, mas só houve um caminho, porque havia uma pedra, no caso dela, de xadrez. E na solidão do que se deseja, vamos dando ordem no caos dos fragmentos da vida, costurando experiências, encontros e oportunidades.

O futuro é uma grande invenção, e, é a partir dos nossos recursos (que se fazem presentes mas nem sempre reconhecidos) que nos posicionamos no jogo na vida.

Transtornos mentais e abuso de substâncias não estão ligados somente ao fracasso, muitas vezes, andam lado a lado de cases de sucesso (performance acima da média) tão valorizadas pela nossa cultura.

A arte, assim como a psicanálise, trata do drama por trás dos bastidores da vida, possibilita que o sujeito utilize seus recursos (ou sintomas) para fazer frente ao vazio insuportável da vida. Para Beth Harmon, a relação tenaz que estabelece com o xadrez e com as substâncias, evidencia seu vazio simbólico e existencial e, fazendo certo uso disso, partia para o contra-ataque na vida.

É esperado que um percurso em análise possibilite certa escolha entre cair ou não em convites como o da jogada do gambito, se você é amador, recusar é a alternativa mais segura, enquanto isso, os mais iniciados se aproveitam de ambas as possibilidades.

Carol Steward Figueiredo

2 comentários em “O Gambito da Rainha”

  1. Amei a minissérie O gambito da rainha, principalmente para os estudantes de psicanálise e psicologia ela é muito valiosa um presente, aproveitem.

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