A psicanálise não pode ser reduzida à experiencia no consultório de um analista, muito pelo contrário, vai muito além, e em tempos de mudanças constantes, é um recurso que, ao contrário do que muitos pensam, não traz respostas prontas, e sim melhora a qualidade das questões que se apresentam, possibilitando uma saída criativa ( e um tanto quanto pessoal), frente aos impasses que se apresentam ao longo da vida de uma pessoa, tornando-a mais disposta a conviver com erros, acertos, dúvidas e então capaz de refinar suas escolhas a partir de seu desejo.
Pensando nessas questões, sinto-me convidada a refletir sobre os dados e depoimentos trazidos na reportagem de capa da revista Exame do mês de maio/19, quando publicou duas matérias sobre a importância do propósito na vida das pessoas que buscam uma vida mais plena.
A crise econômica que afetou muitas pessoas, trouxe à tona também uma crise de significado, onde a lucratividade viesse por efeito, por consequência, e não por um objetivo inicial como acreditava-se na década de 40, que o sentido para a vida seria conquistado após resolvidas questões relacionadas com a segurança, necessidades fisiológicas e laços afetivos. De acordo com o neurologista e psiquiatra austríaco Viktor Frankl, o propósito está na base e não no topo de qualquer estrutura racional e emocional, para ele, quem obtivesse satisfação em sua atividade produtiva, estaria propensa a sentir bem-estar.
Gabriel Grant, pesquisador da Universidade de Yale, descobriu que a expressão “propósito para a vida” nunca apareceu tanto nos últimos 40 anos na literatura acadêmica e popular enquanto na internet, a palavra “propósito”, chegou ao nível máximo na escala GoogleTrends dos termos mais buscados no mundo, desde que essa ferramenta foi criada.
“É sintomático que as descobertas sobre a relevância do proposito estejam aumentando quando as pessoas demonstram ver cada vez menos sentido em sua rotina” diz a reportagem. O resultado apontado em uma pesquisa internacional da consultoria Gallup diz que 85% dos empregados não se sentem engajados no trabalho, e a crescente e significativa perda de confiança nas instituições (governo, empresas, mídia e Ongs) contribuem para isso a partir da crise financeira em 2008. Em 2019, o índice de confiança está abaixo de 60 em uma escala de 0 a 100, sendo que no Brasil, 72% desacreditam no governo, a instituição de menor credibilidade.
O que faz com que tenhamos chegado a números tão alarmantes de pessoas que não conseguem ver sentido, proposito em suas vidas? E não à toa que o número de casos de depressão e ansiedade estejam tão altos a ponto de representarem um número significativo de causas de afastamento do trabalho. O medo de errar, arriscar talvez seja um caminho em busca dessa resposta. Diz o provérbio Judaico: “Cuidado com o que desejas, pois poderás ser atendido”.
Um levantamento realizado em 2017 pela consultoria EY em 42 países, comparou empresas identificadas com um proposito claro e concluiu: 10 vezes superior é o retorno financeiro para os acionistas, 120% maior é o desempenho de marcas que se associam ao bem-estar social e 89% dos consumidores acreditam que empresas com proposito entregam produtos melhores. Pesquisas recentes também apontam perceber significado na própria rotina ajuda a aumentar a produtividade e longevidade, as pessoas que relataram uma felicidade duradoura, sabiam no que eram bons e conseguiam transformar essas características a serviço de algo ou alguém além de sí mesmo, além desses aspectos contribuírem diretamente em outro fator relevante para o bem-estar que são estabelecer e manter os relacionamentos de uma maneira geral.
“A busca apenas do prazer gera quase nenhuma contribuição para a satisfação com a vida. A busca de sentido é mais forte. A busca de envolvimento também é muito forte. Quando se alcançam o envolvimento e o significado, aí o prazer é a cereja no chantilly”, diz o psicólogo Martin Seligman.
No quesito financeiro, estudos apontam que ter segurança material é importante, mas acreditem, há um limite que se ultrapassado, o engajamento de mais ganhos materiais tende a reduzir o bem-estar emocional.
No Japão, o país com a maior expectativa de vida do mundo:84 anos, o termo Ikigai ou “razão de viver”, é o motivo que faz as pessoas acordarem todos os dias, é a intersecção entre fazer o que se ama e atender o que o mundo precisa, e a cultura da longevidade prevê manter-se ativa mesmo depois da aposentadoria. Ikigai é mais forte nas ilhas de Okinawa, uma das cinco regiões do mundo com maior concentração de pessoas centenárias do mundo.
Muitos gestores já consideram cercar-se de pessoas que também escolheram sua carreira por paixão, porém pesquisas apontam que ainda poucos conseguem aplicar uma paixão pessoal ao trabalho remunerado. Cerca de 80% das pessoas não sabem qual é sua paixão ou tem mais de uma e não sabem escolher. A questão “qual legado você pretende deixar?” pode servir como norteador para embasar as tomadas de decisões aos longo da vida.
Se considerarmos que estar dentro de uma sociedade implica também em servir/ considerar o próximo, e sem garantias a priori de satisfaze-lo, o caminho da autenticidade, de encontrar uma maneira de satisfazer seu próprio desejo e conseguir inseri-lo dentro dessa logica social, aumentam as chances de satisfação pessoal e a partir disso, contribuir com seu melhor para o mundo. Cada qual com suas habilidades e desejos, um ser faltante completando o outro.
De acordo com Clayton Christensen, professor na Universidade de Harvard, é muito fácil se perder nos incentivos de curto prazo e se esquecer de construir conquistas que exigem dedicação de longo prazo, e o alcance de um propósito deriva da somatória das atitudes construídas todos os dias. Em entrevista com o economista indiano Subramanian Rangan, da escola de negócios Insead, as pessoas parecem ter mais e, ao mesmo tempo, ser menos. Muitos tem smartphones mas estão dormindo menos, seguem novas tendências nas redes sociais mas no fim do dia se dão conta que não é uma realidade muito feliz, pensam então que deveriam fazer mais ioga e meditação para reparar, mas que isso continua não resolvendo pois estão reparando o que já danificaram ao invés de construir algo novo. De acordo com o economista, é aprendido, inclusive nas escolas de negócios, que as pessoas deveriam ganhar tanto dinheiro quanto fosse possível e qualquer coisa fora disso seria uma distração. A saída apontada por ele seria que os indivíduos pudessem imaginar um futuro melhor, guiado por valores, e então agir nessa direção.
Para Brené Brown, pesquisadora da Universidade de Houston, pessoas com propósito têm um senso de coragem necessário para seguir o que faz sentido dentro de suas escolhas, e não o que esperam delas. As empresas de modo geral estão mais atrasadas nesse sentido do que os indivíduos, e nesse momento estão em busca de definir um proposito que não seja apenas lucrar, e que tenha um engajamento maior tanto por parte de seus funcionários quanto do consumidor. Dessa maneira é retomado o sentimento de pertencimento, conectividade, tão importantes no que diz respeito a saúde mental da população, unidos por uma causa em comum. Além dos tradicionais norteadores: missão, visão, valores, agora o propósito esclarece a razão da existência. A empresa que não tem isso alinhado com a história e seu DNA, não atingem seu pleno potencial, é preciso que cada funcionário consiga enxergar esse propósito dentro de suas atividades no dia a dia, na Roche do Brasil por exemplo o presidente Patrick Eckert diz que “ A equipe vê como trabalha para salvar vidas, e não apenas para gerar números.” Não é possível chegar nesse nível de engajamento sem que antes a pessoa que exerce tal atividade esteja alinhada com seus propósitos pessoais e fazer as conexões com seu dia a dia, com suas tarefas cotidianas, tanto no âmbito pessoal e profissional. O propósito orienta todas as outras ações e tomadas de decisões que virão a seguir.
A psicanálise possibilita ampliar o modo que a pessoa significa os acontecimentos de sua vida, ressignifica os mesmos e como consequência, há um aumento da liberdade de escolha de como reagir frente às circunstâncias, por mais duras que sejam. O desejo funciona como norteador, uma bússola pessoal e intransferível, e não se cala enquanto não for escutado, enquanto isso, seguimos produzindo sintomas.
Carol Steward Figueiredo – CRP 06/98760
Psicóloga Clínica e Orientadora Profissional e de Carreira